Ter uma casa própria é o sonho de muita gente. E, para essa conquista, muitos recorrem aos financiamentos imobiliários, que podem levar até longos 30 anos para quitar o tão almejado imóvel. Por outro lado, há quem consiga diminuir esse prazo por meio da amortização. Mas em um cenário como o atual, de Selic em um patamar de 14,25% ao ano, o que vale a pena?
Para calcular essa estratégia, é preciso entender, inicialmente, os Custo Efetivo Total (CET) do financiamento: isso inclui, além dos juros, os impostos pagos. No entanto, especialistas ouvidos pelo Valor Investe explicam que tomar como base os juros do financiamento também é um bom caminho para saber o que é mais vantajoso financeiramente.
Relação Selic x Financiamento
A Selic é a taxa básica de juros da economia, a “taxa mãe de todas as taxas de juros”, explica Gean Duarte, economista e especialista em renda fixa da Me Poupe! e presidente da Bixa Rica. Com a Selic está alta, os empréstimos (incluindo os financiamentos imobiliários) ficam mais caros.
Por outro lado, a Selic elevada influencia o rendimento dos principais investimentos de renda fixa, como Letras de Crédito Imobiliário e do Agronegócio (LCI e LCA), fundos atrelados à taxa DI e CDB’s, o que torna os investimentos mais atrativos, comenta Paula Bazzo, planejadora financeira pela Planejar.
“Se a Selic subiu, vai haver uma melhor remuneração para o investidor destes produtos que são de captação de crédito. As dívidas ficam mais caras, mas para o investidor fica mais atrativo emprestar o seu dinheiro porque ele vai ter uma remuneração de juros maior” , detalha Bazzos.
A taxa Selic está atualmente em 14,25% ao ano. Porém, como alguns investimentos têm desconto de Imposto de Renda (IRPF) em torno de 20% (que precisam ser considerados na matemática) a rentabilidade após o desconto fica perto dos 12% ao ano, explica Duarte.
O que vale mais a pena?
Para entender essa matemática é preciso analisar a taxa de juros de cada financiamento para saber se o retorno do investimento é maior do que o da dívida.
Segundo Duarte, entre 2018 e 2021, financiamentos imobiliários que não faziam parte do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) tinham juros próximos de 8% ao ano. Atualmente, o patamar se elevou para cerca de 12%. Além disso, existem financiamentos que possuem contratos indexados à Selic e que sofrem alteração à medida que a taxa se eleva.
No entanto, atualmente, investindo em renda fixa já é possível conseguir retorno de mais de 1% ao mês — 12% ao ano — em investimentos considerados de perfil conservador. Com isso, se a pessoa contratou um financiamento de 8% ao ano ou se tem um financiamento por MCMV, por exemplo, que a taxa pode ser de 4% ao ano, vale mais a pena investir, aponta o economista.
Na prática, por exemplo, se você tem um investimento que rende 12% ao ano (já descontado o IR) e seu financiamento tiver taxa de 8% ao ano, decidir por investir ao invés de abater a dívida vai dar uma diferença de 4 pontos percentuais ao fim da aplicação.
Por outro lado, não há decisão certa ou errada. Isso depende do contexto e do momento de vida de cada pessoa. É preciso avaliar o que é mais vantajoso financeiramente, mas também levar em consideração a questão emocional.
“Tem gente que não gosta de ter dívidas, então, amortizar traz um alívio. Eu já percebi que quando se tem um objetivo concreto, tipo, quitar a casa, isso dá mais motivação para fazer o negócio acontecer. Eu já vi pessoas que tinham o plano de amortizar e passaram a fazer renda extra. Até a sua capacidade de poupar melhora porque você tem um objetivo e isso te dá motivação”, descreve Duarte.
Outros fatores para considerar na hora da decisão, segundo os especialistas, são:
- Reserva de emergência: Se o comprador já possui um ‘pé de meia’ para momentos de urgência equivalente a, pelo menos, 6 meses das despesas mensais para trabalhadores com carteira assinada e 12 meses para autônomos. Caso não possua, a recomendação é primeiro poupar para este objetivo, ao invés de amortizar.
- Liquidez: Avaliar a necessidade de acesso rápido ao dinheiro. Investimentos com baixa liquidez podem não ser adequados se houver possibilidade de precisar dos recursos em curto prazo. Além disso, embora amortizar reduza a dívida, o valor investido no imóvel não é facilmente acessível. Se houver necessidade de liquidez, é importante considerar essa limitação.
- Disciplina: Pessoas que não possuem constância para guardar o dinheiro e investir mensalmente precisam ponderar se conseguirão cumprir a meta de poupar ao invés de amortizar.
- Objetivos financeiros: Definir metas claras ajuda a escolher entre amortizar ou investir. “Por exemplo, se o objetivo é quitar a dívida mais rapidamente, a amortização pode ser preferível”, explica Nayra Sombra, planejadora financeira pela Planejar.
- Situação profissional: Estabilidade no emprego pode influenciar na decisão. Em caso de incerteza, manter recursos disponíveis pode ser mais prudente.
Optei por investir: onde alocar meu dinheiro?
O melhor investimento, caso a pessoa opte por investir ao invés de amortizar, deve estar alinhado com os objetivos de cada um. Duarte pontua que caso a pessoa tenha disponibilidade de poupar por mais tempo, é possível conseguir taxas melhores.
“Por exemplo, o investimento que você pode resgatar a qualquer momento, o Tesouro Selic, considerado o investimento mais seguro do Brasil, está te dando um retorno hoje próximo de 12% ao ano líquido. Agora, se você puder deixar por mais tempo, é possível conseguir entre 13% e 14% ao ano”, explica o CEO da Bixa Rica.
Além disso, nada de poupança. De acordo com o economista, a caderneta da poupança está rendendo aproximadamente 7% ao ano e é preciso buscar investimentos mais “efetivos”.
Já Sombra pontua que, antes de investir, é fundamental avaliar o perfil de risco do investidor e considerar que a maioria desses investimentos está sujeita à tributação do Imposto de Renda, com exceção das LCIs, LCAs e FIIs, que são isentos para pessoas físicas. Além disso, a alíquota do IR varia conforme o prazo do investimento, sendo menor para aplicações de longo prazo.
De acordo com a planejadora, as melhores sugestões (com rendimento líquido superior ao CET) são:
- Tesouro Direto, como: Tesouro Selic (pós-fixado), indicado para reserva de emergência, com liquidez diária; Tesouro Prefixado, que oferece taxa fixa, ideal para quem acredita na queda da Selic; e Tesouro IPCA+, que protege contra a inflação, garantindo rendimento real.
- CDBs (Certificados de Depósito Bancário). Aqui a rentabilidade varia conforme o prazo e o emissor.
- LCIs e LCAs (Letras de Crédito Imobiliário e do Agronegócio), que são isentas de Imposto de Renda, com rentabilidade que pode superar 100% do CDI;
- Fundos Imobiliários (FIIs), que distribuem rendimentos mensais isentos de IR, com potencial de valorização das cotas;
- Ações de empresas que pagam dividendos, que podem oferecer retornos superiores no longo prazo;
- Fundos atrelados à taxa DI.
Estratégia híbrida
Segundo os especialistas, é possível adotar uma estratégia híbrida, que pode ser uma abordagem equilibrada para otimizar o uso dos recursos disponíveis. Aqui, o comprador pode combinar entre amortizar uma parte do dinheiro disponível e investir outra.
Por exemplo, utilizar parte do saldo do FGTS para amortizar o financiamento imobiliário, reduzindo o prazo e, consequentemente, os juros pagos, e aplicar a outra parte em investimentos que ofereçam rentabilidade superior à do fundo.
No entanto, é importante destacar que o saque do FGTS é permitido apenas em situações específicas previstas em lei, como demissão sem justa causa, aposentadoria, compra ou amortização de financiamento habitacional, entre outras.
- Para utilizar o FGTS em investimentos, uma das alternativas é aderir ao Saque-Aniversário, modalidade que permite a retirada anual de uma parte do saldo da conta do fundo, no mês de aniversário do trabalhador. Ao optar por essa modalidade, o trabalhador abre mão do saque integral do FGTS em caso de demissão sem justa causa, mantendo apenas o direito à multa rescisória de 40% sobre o saldo total.
Antes de tomar qualquer decisão, é fundamental avaliar o perfil financeiro, objetivos de curto, médio e longo prazo, situação de trabalho, além de considerar a liquidez e os riscos dos investimentos.
Amortizar a parcela ou o prazo?
Financeiramente, vale mais a pena encurtar o prazo do financiamento, apontam os especialistas, principalmente se for contratação na tabela SAC. Isso porque, ao diminuir o tempo, o comprador reduz o saldo devedor e os juros sobre ele.
Já se a pessoa está precisando de uma folga financeira no orçamento, por exemplo, pode fazer sentido amortizar o valor da parcela, considerando que essa folga pode ajudar a ‘apagar o fogo’ de dívidas mais caras, como cheque especial e cartão de crédito.
Simulação 1: Quando vale mais a pena investir
- Cenário: Financiamento imobiliário de R$ 300 mil
- Taxa de juros: 8% ao ano (CET)
- Prazo: 30 anos
- Saldo devedor atual: R$ 200 mil
- Disponibilidade de R$ 50 mil para investir ou amortizar
- Investimento alternativo: Tesouro IPCA+ com vencimento em 2035, oferecendo uma rentabilidade de IPCA + 6% ao ano.
- Considerando a inflação projetada de 5,57% para 2025, a rentabilidade nominal seria de aproximadamente 11,57% ao ano. Após a dedução do Imposto de Renda (15% para aplicações acima de 720 dias), a rentabilidade líquida seria de cerca de 9,83% ao ano
- Aqui, a rentabilidade líquida do investimento (9,83% a.a.) é superior à taxa de juros do financiamento (8% a.a.), indicando que, neste cenário, investir os R$ 50 mil pode ser mais vantajoso do que amortizar o financiamento.
Simulação 2: Quando vale mais a pena amortizar
- Cenário: Financiamento de R$ 300 mil
- Taxa de juros: 14% ao ano (CET)
- Prazo: 30 anos
- Saldo devedor atual: R$ 200.000,00
- Disponibilidade de R$ 50 mil para investir ou amortizar
- Investimento alternativo: CDB com rentabilidade de 100% do CDI
- Considerando a taxa Selic atual de 14,25% ao ano, o CDI está em torno de 14,15% ao ano.
- Após a dedução do Imposto de Renda (15% para aplicações acima de 720 dias), a rentabilidade líquida seria de cerca de 12,03% ao ano
- Aqui, a rentabilidade líquida do investimento (12,03% a.a.) é inferior à taxa de juros do financiamento (14% a.a.), indicando que, neste cenário, amortizar o financiamento com os R$ 50 mil disponíveis é mais vantajoso do que investir em um CDB que rende 100% do CDI.
Fonte: valorinveste.globo.com